segunda-feira, 16 de junho de 2008

O sujeito Autista

O Autismo Infantil é uma condição neuropsicológica conhecida, ao menos sob esta denominação, desde a década de 40, quando foi descrita, de forma magistral por Kanner. Ele identificou entre crianças “deficientes”, algumas que se diferenciavam das demais por um comportamento peculiar, caracterizado, entre outros sinais e sintomas, por dificuldade extrema em estabelecer relações interpessoais. O passar dos anos e novos trabalhos mostraram a excepcional habilidade clínica de Kanner, cujas descrições do Autismo Infantil são válidas e insuperáveis. Mas, se por um lado das descrições clínicas iniciais ainda podem ser aceitas sem contestação, o mesmo não pode ser afirmado com relação à etiologia, tratamentos e prognóstico, tais como foram inicialmente descritos.
O Autismo Infantil não apenas é a condição neuropsiquiátrica da infância sobre a qual mais se tem escrito, como, também é a que mais tem despertado curiosidade, promovido celeumas e concorrido para o trabalho conjunto de profissionais de diversas áreas que lidam com a saúde mental e comportamento infantil. Entretanto, apesar do grande número de profissionais, projetos e pesquisas já realizadas e em andamento, vários aspectos da síndrome do Autismo Infantil permanecem obscuros.

“Um transtorno invasivo do desenvolvimento, definido pela presença de desenvolvimento anormal e/ou comprometimento que se manifesta antes da idade de 3 anos e pelo tipo característico de funcionamento anormal em todas as três áreas: de interação social, comunicação e comportamento restrito e repetitivo. O transtorno ocorre três a quatro vezes mais freqüentemente em garotos do que meninas”
O DSM – IV – Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders (Manual Diagnóstico e estatístico dos Distúrbios Mentais), da associação Americana da Psiquiatria, onde apresenta o seguinte critério de diagnóstico:A – Se enquadra em um total de seis (ou mais) dos seguintes itens:(1) Comprometimento qualitativo em interação social, com pelo menos duas das seguintes características:
a) Acentuado comprometimento no uso de seus múltiplos comportamentos não verbais regulam a interação social, tais como contato olho a olho, expressões faciais, posturas e gestos;
b) Falha no desenvolvimento de relações interpessoais apropriadas à idade;
c) Ausência da busca espontânea em compartilhar de divertimentos, interesses empreendimentos com outras pessoas.

(2) Comprometimento qualitativo na comunicação, em pelo menos um dos seguintes itens:
a) Atraso ou ausência total no desenvolvimento da fala (sem a tentativa de compensá-la por meio de comunicação por gesto ou mímica)
b) Acentuado comprometimento na habilidade de iniciar e manter uma conversação, naqueles que conseguem falar.
c) Linguagem estereotipada, repetitiva ou idiossincrática.
d) Ausência de capacidade, adequada à idade, de realizar jogos de faz-de-conta ou imitativos.

(3) Padrões de comportamentos, interesse ou atividades repetitivos ou estereotipados em pelo menos um dos seguintes aspectos:
a) Preocupação circunscrita a um ou mais padrões de interesse estereotipados e restritos, anormalmente, tanto em intensidade quanto no foco.
b) Fixação aparentemente inflexível em rotinas ou rituais não funcionais.
c) Movimentos repetitivos e estereotipados.
d) Preocupação persistente com partes de objetos.
B – Atraso ou funcionamento anormal antes dos três anos, em pelo menos uma das seguintes áreas: interação social, linguagem de comunicação social e jogos simbólicos ou imaginativos
C – O distúrbio não se enquadrar na síndrome de Rett ou no Distúrbio Desintegrativo da criança

Atualmente o autismo é hoje considerado como uma síndrome comportamental com etiologias múltiplas e curso de um distúrbio de desenvolvimento, usualmente combinado com déficits de linguagem e alterações de comportamento.
Uma das propostas de compreensão do déficit social do autismo reporta-se á teoria afetiva, originalmente proposta por Kanner (1943). Várias versões foram propostas no decorrer do tempo, sendo interessante referir a de Hobson com seus quatro grandes axiomas, a saber: Crianças autistas têm falhas constitucionais de componentes de ação e reação necessários para desenvolvimento das relações pessoais com outras pessoas; as relações pessoais são necessárias para a constituição do mundo próprio e com os outros; e apresentam déficit relativo no reconhecimento de outras pessoas como portadoras de sentimentos próprios, pensamentos, desejos, intenções;além de déficit severo na capacidade para abstrair, sentir e pensar simbolicamente. Grande parte das inabilidades de cognição e linguagem das crianças autistas pode refletir déficits que têm íntima relação com o desenvolvimento afetivo e social, e/ou déficits sociais dependentes da possibilidade de simbolização.
Contrapondo-se à teoria afetiva, Baron-Cohen e Frith propõe uma teoria cognitiva para autismo.Como ponto central, essa visão também considera que a dificuldade central da criança autista , é a impossibilidade que possui para compreender estados mentais de outras pessoas. Essa habilidade tem sido chamada por esses autores de Teoria da Mente porque envolve o conceito da existência de estados mentais que são utilizados para explicar ou prever o comportamento de outras pessoas. A teoria cognitiva sugere que o autismo é causado por um déficit cognitivo central, onde um desses déficits é referente à capacidade para meta-representação que é obrigatória em padrões simbólicos (como nos jogos).
No que se refere à investigação clínica e laboratorial que deverá ser desenvolvida quando frente a uma criança com quadro de AI, algumas considerações devem ser feitas. Apesar da necessidade dos exames serem realizados é preciso deixar bastante claro, desde o início, que o diagnóstico de autismo é, antes de tudo, um diagnóstico clínico que se baseia, primordialmente, no achado dos distúrbios, mais ou menos característicos, nas áreas da relação interpessoal, comunicação e comportamento.
Os responsáveis pela criança deverão entender que os exames solicitados não se destinam a decidir ou comprovar o diagnóstico, mas sim a identificar várias condições clínicas ou mesmo alterações, nos exames que podem estar presentes em um número dado de crianças autistas. Outros exames poderão auxiliar na utilização de alguma forma particular de tratamento, qual seja o uso de agentes hiposserotoninérgicos em crianças com aumento de 5-HT (tratamento discutível, porém preconizado por alguns autores) ou a utilização de anticonvulsivantes em pacientes com quadro sugestivos de crises epiléticas parciais complexas e um EEG mostrando alterações compatíveis com o diagnóstico de epilepsia.
A importância da anamnese é bastante evidente, uma vez que poderá trazer dados que não apenas levantem a suspeita do autismo, mas também informações que nos permitam fazer a suspeita da presença de alguma outra condição associada ou pré-existente. O exame físico geral deverá ser particularmente cuidadoso podendo evidenciar algumas das condições clínicas previamente citadas e que têm alterações fenotípicas bastante característica tais como as encontradas na esclerose tuberosa, síndrome do fra(x), síndrome de Cornélia de Lange, hipomelanose de Ito, etc.
O exame neurológico poderá ser normal ou refletir alterações decorrentes de afecções primárias do sistema nervoso que podem acompanhar quadros de autismo. Autistas de bom rendimento podem apresentar, ao exame neurológico, dificuldades psicomotoras marcantes. As alterações da forma e do conteúdo da fala são freqüentes e bastante óbvias. Poderemos observar, durante a consulta, a presença de comportamento esterotipado e hiperatividade.
Observa-se como a criança estabelece contato com as pessoas e objetivos e, particularmente o tipo de relação interpessoal estabelece com seus pais. Avaliação auditiva deverá ser realizada sempre que possível uma que sabemos da possibilidade de coexistência do autismo com deficiência auditiva. O EEG, quando realizado, deverá ser feito com a criança em vigília, sono e procedimentos de ativação. Testes para erros metabólicos inatos poderão ser indicados. Estudo cromossômico com pesquisa de X-fragil deverá ser realizado quando não houver uma outra “causa” para o quadro clínico.
O uso de agentes fármacos para modificar comportamentos infantis é tão antigo quanto a história da Medicina. No caso específico do Autismo Infantil, deparamo-nos com uma etiologia questionável e atualmente vista multifatorial. É preciso enfatizar que muitos indivíduos autistas chegam a não responder a estes agentes terapêuticos.
Atualmente o raciocínio dos psicofarmacologista se dirige cada vez mais para o “local de ação predominante” do agente químico nível celular.No caso do autismo, os neurotransmissores catecolamínicos (adrenalina, noradrenalina e dopamina) e indolamina (serotonina) têm sido estudados em relação às suas respostas a vários agentes psicofármacos. Estudos internacionais têm relatado que entre um terço e 40% dos autistas apresentam níveis elevados de serotonina: A fenfluramina, derivado feniltilamínico, tem mostrado que diminui a serotonina cerebral e leva à diminuição dos níveis de 5HIAA no líquido cefalorraquiano dos pacientes que a tomam.
O papel da vitamina B6 no sistema neurotransmissor é conhecido, pois a pirodoxina (vitamina B6) é a co-enzima na etapa anterior à formação das aminas no metabolismo da dopaminanoradrenalina e 5-hidroxitriptamina. A vitamina B6 tem sido oferecida na dose 10-30mg/kg/dia, não excedendo 1g/dia. A buspirona, agente inibidor dos neurônios serotoninérgicos, tem sido usada em autistas para diminuir a hiperatividade e tem dado resultados ainda inconsistentes.
O carbono de lítio tem sido utilizado em autista que apresenta co-morbilidade de distúrbio afetivo, comportamento agressivo e auto-agressão.Para hiperatividade, os agentes químicos mais usados têm sido o haloperidol, a tioridazina e a clonidina. Não são recomendados aos agentes essencialmente sedativos.
Os comportamentos depressivo, ansiosos, obsessivo-compulsivos têm sido tratados como agentes de atuação na recaptação da serotonina. A clorimipromina (10 a 75mg/dia), a fluoxetina (10a75mg/dia), a imipramina e amitriptilina (10 a 75 mg/dia) têm sido usados com resultados ainda equívocos.
As terapias mais usadas para o acompanhamento e auxilio no tratamento do autismo são de fundamentação comportamental e de psicanalítica.
A terapia comportamental tem sua raízes em estudos de aprendizagem, baseados nos princípios da análise experimental do comportamento, propostos por Skinner. Estes princípios, que se originaram a partir de pesquisas de laboratório, analisam e seu meio ambiente, salientando o papel crítico de condições antecedentes e conseqüentes ao comportamento para que haja aprendizagem. As primeiras pesquisas comportamentais, visando compreender a criança com autismo, hoje consideradas, foram as de Ferster, sua contribuição principal foi de demonstrar explícita e concretamente a aplicabilidade dos princípios de aprendizagem ao estudo de crianças com distúrbios de desenvolvimento e que, através de arranjos cuidadosos de certas conseqüências ambientais, o comportamento destas crianças pode ser alterado, aumentando-se seus repertórios comportamentais e diminuindo os comportamentos destrutivos.
Hoje, com base já em um conjunto de princípios procedimentos comprovados, gradativamente planos de intervenção em escolas, instituições, residências terapêuticas, tornaram-se mais abrangentes e inclusivos O ensino de habilidades de comunicação tem merecido atenção especial, com o uso de estratégias diversas, estimulando-se tanto comportamento verbal oral como modos alternativos de comunicação, seja através de linguagem de sinais, uso de símbolos, objetos, fotografias, etc. Simultaneamente com a instalação, manutenção e generalização de comportamentos funcionais, preocupando-se com a redução ou eliminação de comportamentos que interferem com novas aprendizagens, como birras, estereotipias, comportamentos heteroagressivos e auto-lesivos.
Já a psicanálise. busca abordar o real da clínica pelo único meio que permite, ou seja, o simbólico, que o situa ao conferir-lhe estatuto de coisa, há que se recuperar a incidência dos acidentes, que demarcam o ponto lógico das contingências do processo de estruturação subjetiva na coincidência de suas manifestações com a lógica da constituição do sujeito. Contemplam-se, assim, condições necessárias, mas não suficientes para a leitura do texto hieroglífico escrito pela criança compõem vários registros e emergem como elementos distintos que se interpõem e entrecruzam-se na composição do texto de sua realidade psíquica.
Alfredo Jerusalinsky situa as condições de estruturação diferenciadas que o autismo e a psicose de crianças impõe. Essas graves patologias infantis mostram que o corpo pode denunciar o impedimento da função, primordial do significante – a equivocidade e suas conseqüências na subjetivação, em que uma enunciação não se destaca. O objetivo da análise é permitir a criança separar-se do sintoma familiar para construir seu próprio sintoma, que é parte indestrutível do gozo e é o laço social.
A análise é a possibilidade de deixar a criança fazer sua neurose tranqüila, saindo da posição infantil de falo materno. O analista deve cuidar para que a criança possa entrar na latência, que é o tempo de compreender a castração, respondendo á existência da falta de saber do grande.
A intervenção que a transferência (desejável na análise psicanalítica) permite, nas graves psicopatologias infantis, exige uma suposição de sujeito, pelo analista, antes que ali haja um. A motricidade, em que o corpo da criança se engaja, veicula em signos o que se inscreveu na sua experiência primeira com a alteridade. Assim, o que caracteriza essa motricidade é uma linguagem privada. A interpretação não é uma tradução metafórica, mas uma extensão metonímica. O que se faz operante insistência da equivocidade, implicada no seu reconhecimento pelo analista.
O analista carrega a única transferência possível a um autista: a de receber a demanda do outro como negativa direta, não como invertida. Ou seja, o pior problema é sua negativa, é seu não-ser.










UMA CONTRIBUIÇÃO DE WINNICOTT
PARA A CLÍNICA DO AUTISMO –
A NOÇÃO DE ANGÚSTIA IMPENSÁVEL

No livro “Autismos”, Maria Helena de Barros e Silva, levanta considerações a respeito da noção de angustia desenvolvida no trabalho de Winnicott e muitas vezes presentes no trabalho clínico com autistas.
Winnicott defende que o desenvolvimento emocional é algo herdado e que suas potencialidades poderão ou não ser realizadas, dependendo dos cuidados do meio ambiente. Ele parte do principio de que há um estado de não-integração primária, natural do bebê; e é a partir do olhar materno, do olhar integrador, do calor, dos cuidados, que o bebê tem a possibilidade de sentir-se uno e de constituir-se.
A psicose infantil seria então uma organização defensiva patológica contra as angustias impensáveis. É quando a mãe falha em sua função de ego protetor, que as invasões do meio ambiente fazem eclodir as agonias primárias. Para Winnicott, a experiência da angustia impensável, protótipo das angústias autistas, acorre na fase de dependência absoluta do bebê, quando ele ainda não possui nenhuma estruturação do ego que lhe permita fazer face às invasões do meio ambiente. Quando isso ocorre quando o bebê não pode elaborar as invasões através do ódio e da raiva, resultando assim, num trauma. Esse trauma fica então, para o bebê, como uma situação congelada.
Uma situação congelada é uma não situação, algo que deveria ter acontecido e não aconteceu. É o vazio deixado pela ausência do encontro transformador das potencialidades. É uma experiência, da ordem das sensações, que não possui nenhuma representação, nenhuma imagem, resultando então em sensações de vazio, de queda interminável, de cair num buraco negro. Essa experiência de caos psíquico gera angustias impensáveis que se manifestam como queda no vazio, desintegração, aniquilamento, despersonalização, desorganização temporal e espacial.
Na clínica psicanalítica, depara-se frequentemente com a experiência de desmoronamento utilizada pelos pacientes autista perante as exigências, frustrações e interdições, provenientes do meio ambiente. Responder a tais exigências demandaria o suporte de uma mãe suficientemente boa, que propiciasse ao seu filho, a introjeção da ambiência materna, condição imprescindível para a concretização do processo de integração do ego, não ocorreu.
As defesas autísticas seriam organizações constituídas para possibilitar o enfrentamento do caos psíquico, que provoca a experiência de um cair sem fim, embora abram poucas possibilidades de lidar com o meio ambiente, estas defesas erigidas estão, pelo menos, na área da onipotência do bebê: ele as cria e não mais tem que se confrontar com o imprevisível.


REFERÊNCIAS:


______________Valentin, M. O S. V. Autismo infantil: o enigma da esfinge. Trabalho de Conclusão de Curso apresentada para Universidade Cândido Mendes.Rio de Janeiro: 2005.

Silva, Maria Helena de Barros. Autismos – Uma contribuição de Winnicott para a clínica do autismo. A noção de angústia impensável. – São Paulo: Editora Escuta; recife, PE: Centro de Pesquisa em psicanálise e Linguagem, 1997

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